Dilma faz pronunciamento após Senado aprovar seu afastamento definitivo da Presidência da República
Em
pronunciamento no Palácio da Alvorada, a ex-presidenta Dilma Rousseff
disse hoje (31) ter sofrido o segundo golpe de Estado em sua vida. “O
primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da
repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O
segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa
jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo”.
Dilma classificou de “inequívoca eleição indireta” a aprovação do impeachment
por 61 senadores e garantiu que vai recorrer em todas as instâncias
possíveis contra o que chamou de “fraude”. Ao final, ela disse ainda
que, neste momento, não dirá adeus ao povo brasileiro, mas “até daqui a
pouco”.
Confira na íntegra o pronunciamento da ex-presidenta:
“Ao
cumprimentar o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimento
todos as senadoras e senadores, deputadas e deputados, presidentes de
partido, as lideranças dos movimentos sociais. Mulheres e homens de meu
País.
Hoje, o Senado Federal tomou uma decisão que entra para a
história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo
impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela
interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de
responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe
parlamentar.
Com a aprovação do meu afastamento definitivo,
políticos que buscam desesperadamente escapar do braço da Justiça
tomarão o poder unidos aos derrotados nas últimas quatro eleições. Não
ascendem ao governo pelo voto direto, como eu e Lula fizemos em 2002,
2006, 2010 e 2014. Apropriam-se do poder por meio de um golpe de Estado.
É
o segundo golpe de Estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe
militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me
atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar
desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para
o qual fui eleita pelo povo.
É uma inequívoca eleição indireta,
em que 61 senadores substituem a vontade expressa por 54,5 milhões de
votos. É uma fraude, contra a qual ainda vamos recorrer em todas as
instâncias possíveis.
Causa espanto que a maior ação contra a
corrupção da nossa história, propiciada por ações desenvolvidas e leis
criadas a partir de 2003 e aprofundadas em meu governo, leve justamente
ao poder um grupo de corruptos investigados.
O projeto nacional
progressista, inclusivo e democrático que represento está sendo
interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o
apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do
Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e
do retrocesso social.
Acabam de derrubar a primeira mulher
presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional
para este impeachment.
Mas o golpe não foi cometido apenas
contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai
atingir indistintamente qualquer organização política progressista e
democrática.
O
golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam
por direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção
de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à
moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos
jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos
indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem
ser reprimido.
O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe
é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da
cultura da intolerância, do preconceito, da violência.
Peço às
brasileiras e aos brasileiros que me ouçam. Falo aos mais de 54 milhões
que votaram em mim em 2014. Falo aos 110 milhões que avalizaram a
eleição direta como forma de escolha dos presidentes.
Falo
principalmente aos brasileiros que, durante meu governo, superaram a
miséria, realizaram o sonho da casa própria, começaram a receber
atendimento médico, entraram na universidade e deixaram de ser
invisíveis aos olhos da Nação, passando a ter direitos que sempre lhes
foram negados.
A descrença e a mágoa que nos atingem em momentos como esse são péssimas conselheiras. Não desistam da luta.
Ouçam
bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos
vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica
oposição que um governo golpista pode sofrer.
Quando o Presidente
Lula foi eleito pela primeira vez, em 2003, chegamos ao governo
cantando juntos que ninguém devia ter medo de ser feliz. Por mais de 13
anos, realizamos com sucesso um projeto que promoveu a maior inclusão
social e redução de desigualdades da história de nosso País.
Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.
Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.
Espero
que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os
progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição
política. Proponho que lutemos, todos juntos, contra o retrocesso,
contra a agenda conservadora, contra a extinção de direitos, pela
soberania nacional e pelo restabelecimento pleno da democracia.
Saio
da Presidência como entrei: sem ter incorrido em qualquer ato ilícito;
sem ter traído qualquer de meus compromissos; com dignidade e carregando
no peito o mesmo amor e admiração pelas brasileiras e brasileiros e a
mesma vontade de continuar lutando pelo Brasil.
Eu vivi a minha
verdade. Dei o melhor de minha capacidade. Não fugi de minhas
responsabilidades. Me emocionei com o sofrimento humano, me comovi na
luta contra a miséria e a fome, combati a desigualdade.
Travei
bons combates. Perdi alguns, venci muitos e, neste momento, me inspiro
em Darcy Ribeiro para dizer: não gostaria de estar no lugar dos que se
julgam vencedores. A história será implacável com eles.
Às
mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que
acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão
que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, a
machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de
mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar.
Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer “até daqui a pouco”.
Encerro compartilhando com vocês um belíssimo alento do poeta russo Maiakovski:
'Não estamos alegres, é certo,
Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado
As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,
Rompê-las ao meio,
Cortando-as como uma quilha corta.'
'Não estamos alegres, é certo,
Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado
As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,
Rompê-las ao meio,
Cortando-as como uma quilha corta.'
Um carinhoso abraço a todo povo brasileiro, que compartilha comigo a crença na democracia e o sonho da justiça.”
Edição: Carolina Pimentel, Fonte: Agência Brasil
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